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Branding em tempos líquidos: sobrevivência e significado

Como marcas podem agir pra se posicionarem em um mundo de constante volatilidade?

  • 8 min de leitura
  • 1 julho, 2024
Conteúdo

Se há uma característica que pode ser usada para definir nossa época é sua mutabilidade, instabilidade, ou então, como colocado por pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman, a liquidez. Vivemos em tempos “líquidos”, onde tudo muda de forma constante e incessante. Nada é feito para durar, para ser “sólido”. A existência tornou-se efêmera.Emprego, empresas, parceiros, amizades – tudo é volátil. Desde então, as coisas têm avançado cada vez mais rapidamente em direção a essa realidade.Nesse contexto dinâmico, o trabalho de construção de marca se torna ainda mais crucial e desafiador. Existe uma oportunidade significativa para as marcas não apenas sobreviverem, mas prosperarem, conquistando um espaço duradouro na mente dos consumidores.

Por outro lado, marcas que não conseguem acompanhar essa velocidade de mudança arriscam serem rapidamente esquecidas ou substituídas por aquelas que conseguem se adaptar e inovar. Há aí oportunidade de uma marca crescer sólida e conquistar um espaço na mente do consumidor, ou simplesmente afundar. É sobre isso que quero conversar neste artigo.

Marcas

Tempos Líquidos

Cunhado pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman, o conceito de modernidade líquida tem como base a metáfora da liquidez para contrastar com a solidez e estabilidade que caracterizavam as sociedades anteriores. Descrevendo uma era caracterizada pela fluidez, instabilidade e adaptação constante.

“Líquidos mudam de forma muito rapidamente, sob a menor pressão. Na verdade, são incapazes de manter a mesma forma por muito tempo. No atual estágio ‘líquido’ da modernidade, os líquidos são deliberadamente impedidos de se solidificarem.” Zygmunt Bauman

A sociedade, antes conhecida como sociedade dos trabalhadores, hoje pode ser entendida como sociedade de consumo. O indivíduo não está plenamente satisfeito apenas com o produto ou com o ato de consumir. Ele busca significados e compreensão de seu lugar no mundo.

É difícil não passar por esse assunto sem nos questionar o papel do branding nisso tudo. Afinal, o que é o branding senão os significados, valores e identidades que influenciam profundamente a percepção e o comportamento dos consumidores?

Essas mudanças nos levam a novos questionamentos sobre branding, como: Qual é o papel da marca nesse contexto? Como as marcas podem sobreviver em um cenário de liquidez?

A nova dinâmica de compra na sociedade de consumo

Marcas

Com a Revolução Industrial e o acréscimo das máquinas no trabalho, pensou-se que isso deixaria o trabalhador com mais tempo livre. Mas as máquinas só contribuíram para aumentar o trabalho, e passou-se a trabalhar pelo mesmo período ou até mais, devido à demanda crescente de produção que a própria revolução causou.

O modernismo, que compreendeu o século XX, foi marcado por uma busca de funcionalidade, suavidade mecânica, ausência de ornamentos e elitismo. Teorias perceptíveis na arte e na arquitetura daquele século, que também impactaram diretamente o marketing e as marcas.

Na sociedade de consumo, o ato de comprar não se limita à aquisição de bens ou serviços. As pessoas buscam experiências, emoções e conexões que ressoem com suas próprias identidades e valores. As marcas, portanto, desempenham um papel crucial ao oferecer essas experiências e ao se tornar parte da narrativa pessoal dos consumidores.

Esse “mundo líquido” vive uma revolução na forma com que se interage com marcas. Entender essa relação tornou-se primordial. Uma marca com uma promessa falsa pode ser desmascarada com uma simples pesquisa no Google. Os consumidores estão mais céticos, atentos e desejam expressar sua individualidade. Procuram significado e verdade.

Propósitos reais

Nesse cenário de constante transformação, marcas enfrentam o desafio de se adaptar a uma nova dinâmica de consumo, onde os consumidores buscam significados mais profundos e autênticos em suas interações com produtos e serviços. A necessidade humana por significado e propósito está cada vez mais evidente, criando uma oportunidade significativa para as marcas se conectarem de forma mais profunda com seus públicos.

Quando a carência humana de significados está cada vez mais acentuada, temos aí um local para ser trabalhado.

No entanto, não podemos ver essa busca por significado como uma simples estratégia de marketing. As marcas precisam genuinamente abraçar valores e propósitos que ressoem com os consumidores, caso contrário, os consumidores as perceberão como superficiais ou mercenárias.

Propósitos mal construídos ou dissociados da realidade do consumidor não apenas falham em criar conexões autênticas, mas também podem resultar em uma perda de confiança e lealdade. Em um mercado saturado de opções, marcas que não conseguem capturar a essência das aspirações e valores dos consumidores acabam por se afogar na falta de relevância e significado.

Marcas como fonte de significados

Marcas desempenham um papel crucial na identificação e expressão da identidade individual na sociedade contemporânea. Elas não são apenas produtos ou serviços, mas sim repositórios de significados que influenciam profundamente como os consumidores se veem e são vistos pelos outros. O contato com as marcas não se limita à transação comercial; ele molda percepções, valores e até mesmo estilo de vida.

Zygmunt Bauman argumenta que, na era moderna, a infelicidade dos consumidores não deriva da falta de escolha, mas sim do excesso. Em um ambiente saturado de informações e opções, os indivíduos desenvolvem estratégias para lidar com essa sobrecarga cognitiva. Eles categorizam e armazenam as informações úteis em compartimentos mentais, buscando simplificar suas decisões de consumo e encontrar significado em suas escolhas.

No entanto, para as marcas se destacarem nesse cenário competitivo e complexo, a diferenciação é essencial, mas não suficiente por si só. Mas somente diferenciação não é suficiente, é preciso se posicionar e conquistar um lugar com significado na mente do consumidor.

Isso envolve não apenas oferecer produtos ou serviços únicos, mas também construir uma narrativa autêntica que ressoe com as aspirações, valores e identidades dos consumidores.

É preciso contar uma boa história

Marcas que consumimos dizem quem somos. Comunicamos um estilo de vida adotado e somos interpretados pelo consumo. Assim, descobrimos quem somos e nos organizamos.

O branding trabalha com as expectativas pessoais e sociais para construir fidelidade à marca. Ela deve contar uma história, mostrar por que se deve prestar atenção nela, e qual é a vantagem de escolhê-la e não as outras. Destacar tradição e qualidade, tecnologia e solução não é suficiente para conquistar esses atributos.

Uma forma brilhante de contar uma história pode receber atenção. É preciso apontar o intangível e imaterial associado à marca. Não há chance para um trabalho de marca esporádico e sem estar atrelado a um posicionamento sólido.

“Eu desejo que os jovens percebam razoavelmente cedo que há tanto significado na vida quando eles conseguem adicionar isso a ela através de esforço e dedicação. Que a árdua tarefa de compor uma vida não pode ser reduzida a adicionar episódios agradáveis. A vida é maior que a soma de seus momentos.”

Aqui o sociólogo polonês nos lembra que é necessário agir com uma estratégia de longo prazo, que constrói uma história e obtém resultados consistentes. Uma boa história com significado é a chave para sobreviver nesses tempos.

Todo consumo envolve uma troca de significados, geralmente inconsciente, e é esse o real motivo que leva à escolha de uma marca em detrimento de outra.

Marcas

Casos de sucesso

Nos últimos anos, essas mudanças e volatilidade têm moldado cada vez mais esse cenário. Marcas como Netflix, que revolucionou a indústria do entretenimento ao migrar do aluguel de DVDs para o streaming de conteúdo digital, parecem estar sempre tentando se adaptar aos nossos tempos.

São claros e constantes os desafios que sabemos que essa marca vem enfrentando, principalmente com o avanço de grandes players nesse mercado, mas é visível também o trabalho de construção de marca e estratégias. Recentemente a marca anunciou a criação de parques temáticos inspirados em suas séries, uma clara tentativa de oferecer experiências significativas que vão além da web e conquistar espaço em outros pontos de contato.

A integração de sustentabilidade e responsabilidade ambiental que a Patagônia (marca de roupas e equipamentos para atividades ao ar livre, não a cerveja) traz em sua essência também parece uma forte estratégia de resistência e solidificação.

A marca não apenas fabrica roupas de alta qualidade para atividades ao ar livre, mas também defende ativamente questões ambientais, promove o consumo consciente e educa seus clientes sobre práticas sustentáveis. E esse ano anunciou que está eliminando “produtos químicos eternos de suas roupas”.

Ao criar experiências memoráveis que transcendem o digital ou abraçar valores como sustentabilidade e responsabilidade social (quando estão em sua essência). Assim, essas marcas tem chances de se conectarem de maneiras mais profundas com seus consumidores.

Estratégias para não se afogar

Afinal, nascemos como conchas vazias e passamos o resto de nossas vidas tentando preenchê-las, percebeu Alfred Adler. Isso nos dá uma sensação de inferioridade que nos leva a buscar mais e explorar. Na era dos relacionamentos e da “vida líquida”, manter esses ideais parece ainda mais difícil, pois eles escorrem das mãos. Marcas se colocaram no centro dessa busca, pois, de certa forma, ajudam a preencher alguns desses vazios.

Alguns pontos-chaves para que isso possa acontecer:

  • Adotar uma Abordagem Realista e Transparente: é crucial que as marcas apresentem fatos de maneira honesta e direta. Transparência constrói confiança, e os consumidores exigem informações precisas e verídicas, e querem conhecer motivos por trás de suas escolhas e decisões da marca.
  • Oferecer Experiências Significativas: hoje consumidores buscam mais do que produtos; eles querem experiências emocionais e conexões que ressoem com suas identidades. Marcas devem se posicionar como parte de narrativas pessoais, oferecendo algo que vá além da simples funcionalidade.
  • Adotar uma Abordagem Iterativa de Desenvolvimento: A iteração contínua é essencial para se adaptar rapidamente às mudanças e feedbacks dos consumidores. Esse ciclo de melhoria contínua ajuda a manter a relevância e a qualidade em um mercado dinâmico e competitivo. Marcas precisam estar prontas para ajustar e evoluir constantemente.
  • Construir Narrativas Autênticas e Significativas: Contar uma boa história é fundamental para construir fidelidade à marca. As narrativas devem ser cativantes, destacando os aspectos intangíveis e imateriais associados à marca. Manter um posicionamento sólido e consistente é necessário para criar uma conexão duradoura com os consumidores.

Por isso, é necessário sondar os desejos inconscientes das pessoas. Então, mergulhar nos sentimentos mais intrínsecos do indivíduo para entender suas reais necessidades. Não basta oferecer serviços e produtos de qualidade; é necessário apresentá-los de forma inusitada e causar encantamento no consumidor. Em suma, reveja o significado da sua marca com propósito e determinação, ou esteja preparado para assistir o afogamento dela nesse mundo líquido.

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Fernando Martins é designer formado pela UNISATC, pesquisador de psicologia analítica e sociologia do imaginário. Atua como designer na Empória Branding, empresa especialista em posicionamento de marcas, e é consultor de estratégia para marcas emergentes.

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